19 de dezembro de 2012

Morte e Esquecimento


Morte e Esquecimento

- Quer ir comigo num Sarau? – Cuspiu Vitor em cima dela. Eu certamente poderia usar “disse” ou “falou”, mas estes não fariam jus ao modo como as palavras foram expelidas de sua boca. Como se tivessem engasgadas desde o primeiro dia que se viram, a primeira aula, e três anos depois, na última aula, sozinhos no estacionamento, ele cuspiu.

- Para quem esperou três anos para falar, você fala rápido demais. - Ela sempre gostou de notas enigmáticas. E ele sempre adorou isso nela. Mas precisava de uma resposta, e sua garganta ainda estava dolorida da ultima cuspidela. – E isso é um sim, para essa sua cara de interrogação.

- É dia um. As nove. Eu não tenho seu endereço...

- E não precisa. Me dê o endereço e nos encontramos lá, às nove.

Ele achou que ela não iria. E uma hora de atraso não ajudou a mudar seu pensamento. Uma hora encarando a decoração do salão, cujo tema era morte. Ninguém excepcional se apresentaria naquela noite. Apenas alguns bons amigos. Por sobre os caixões, decorados com frases populares...

Para uma mente bem estruturada, a morte é apenas uma aventura seguinte”

Uma pessoa só morre quando é esquecida”

Mãe se eu morrer de um repentino mal vende os meus bens, a bens dos meus credores...”

Ou não tão populares assim. Mas que se dane, ela chegou e era a mais bonita da festa.

Procuraram uma mesa, pediram uns petiscos e fingiram se importar com cada uma das frases ditas por sobre os caixões, mas só queriam ir embora. Ele nunca verbalizaria que só queria ir para a casa dela e tirar toda aquela produção. Sim, era o primeiro encontro, mas depois de três longos anos. Porém ela nunca teve problema com as palavras.

- Eu duvido você repetir a última frase que o gordo que eu não lembro o nome disse.

Ele acordou do transe. Os pensamentos dele já estavam na casa dela, e ela já estava deitada na cama. Por motivos óbvios, não conseguiria repetir as palavras.

- Já que não vai usar a boca para falar, por que não a utiliza para outra cosia, benzinho?

Ele bem que queria. E o faria ali mesmo. Ela percebeu e o cortou, por uma última vez.

- Não aqui. E não a base de suco de Romã.

- Eu tenho vinho em casa...

- Então me leva para lá. – Ela levanta. Ele levanta junto e se encaminham para a porta, enquanto ninguém percebe. Acho que poderiam transar ali sem ninguém perceber. Geralmente escritores medíocres gostam do que outros escritores medíocres escrevem. Ele sabe disso porque é um escritor medíocre. Mas a hipótese com suco de romã já foi descartada.

O problema de ir num Sarau fúnebre é que os organizadores se sentem na obrigação de fazer o evento bem tarde, em algum beco obscuro da cidade. Quando você sai junto com todos, tudo bem. Mas quando você sai sozinho antes, bom, geralmente você vê um bandido. E geralmente, ele te vê.

- Dinheiro, jóias, celular... – Sempre o mesmo discursinho. E eles não reagem. Você passa tudo o que tem para ele e ele? Atira. Seis vezes, até esvaziar o tambor. E ainda assim, eles não reagem.

E ela está morta no chão, sangrando. Enquanto ele está vivo. Nem sequer foi atingido, mas jamais conseguirá esquecer-se dela. Enquanto ele mesmo será em breve esquecido...

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